quinta-feira, 7 de julho de 2011

A Tatin ao Avesso


Eis que há poucos dias encontrei uma torta tatin ao avesso, ou seja, massa em cima e maçã na parte de baixo, no restaurante Opção, da minha cidade, Espírito Santo do Pinhal.
No cardápio, a sobremesa se apresentava como Gratin de Maçãs, nome me fez salivar. Comi minha entrada e meu prato principal, que estavam bons, sem me esquecer um minuto da sobremesa.  
Quando o gentil garçom a colocou na minha frente, apresentava-se aromática, delicada. Percebi que não havia maçãs brilhantes na parte de cima, como na torta tradicional. Juntei na minha colher um pedaço da torta, um pouco de sorvete de creme – acompanhamento obrigatório para uma tatin que se preze – e levei a colherada à boca. Delícia. Ali estavam todos os sabores sutis de uma boa tatin.
Cheguei a pensar em virar a sobremesa do lado contrário, para ter uma torta tradicional, como manda o figurino. No fim das contas, não achei necessário. Acabei achando engraçado comer uma tatin do avesso. Ri com meus botões e raspei o prato como uma criança, sentindo cada pedaço quente da torta se misturar ao bom sorvete de creme.
Fiquei feliz ao saber que o público da minha cidade tem uma opção desta sobremesa. A cidade sempre foi muito carente de bons restaurantes. Depois, percebi que minha tatin ao avesso em nada deixa a desejar às melhores tortas que já provei tanto no Brasil quanto na França.
Após me regalar, fui falar com os cozinheiros locais e soube que a receita foi retirada de uma latinha de Leite Moça. A massa leva leite condensado, me disseram. Um pouco, bem pouquinho. É sutil, não dá para perceber o açúcar característico da matéria-prima.
Desta torta não consegui pegar a receita. Assim que conseguir, publico aqui no blog.

terça-feira, 28 de junho de 2011

As tortas rústicas da chef Edir Nascimento



Uma das tortas mais suculentas que já provei foi feita pela chef Edir Nascimento, do 339 Gastronomia. Me lembro de chegar a uma festa, na sua casa, e vê-la desenformar, com muita habilidade, uma tatin grande, que se apresentou com maçãs cortadas ao meio, suculentas, doces, que traziam o gostinho adstringente característico da fruta.
Edir é uma das profissionais mais criativas que conheço. O primeiro contato que fiz com ela foi quando trabalhava no resaurante chamado Restaurante, acho que em 2000. Eu trabalhava no núcleo de revistas da Folha de S. Paulo e certo dia liguei para ela para pegar uma receita. Excêntrica que só ela, Edir me recebeu assim:  "Nunca te disseram para não ligar para um cozinheiro na hora do amoço?". Engoli seco, me desculpei e fiquei curioso com a figura que estava do outro lado do telefone. 
Meses depois nos encontramos por acaso em Paris. Ela havia se mudado para a cidade para cursar o Le Cordon Bleu. Acho que em 2001. Me lembro que nos aproximamos nesta época. Algumas vezes cheguei a esperá-la na recepção da escola. Na segunda semana de aula, mesmo sem saber falar uma única palavra em francês, ela já havia conquistado toda a turma com quem estudava, além dos professores. Desde então ela pega receitas clássicas francesas e dá um toque pessoal.
Pedi para esta amiga querida criar uma torta especialmente para o blog e recebi fotos de várias versões da sobremesa. Algumas pequenas, outras médias, todas com meia maçã (veja a foto). Criou também uma sobremesa com uma maçã inteira. É de dar água na boca. Veja só que beleza.
Segue a receita: 

Torta de maçã na frigideira
Por Edir Nascimento e Lúcia Faria, do livro “O Banquete dos Sentidos I” (Meta Livros)
Ingredientes para a massa
300g  de farinha de trigo
200g de manteiga
1 gema
1 pitada de sal
100g de açúcar
Ingredientes para o recheio
1kg de maçãs fuji
suco de 1 limão
6 colheres (sopa) de manteiga  sem sal
1 xícara e mais 2 colheres (sopa) de açúcar
3 colheres (sopa) de água
Preparo
Misture a gema, a manteiga, o açúcar e mexa bem. Junte a farinha de trigo e o sal. Prepare a massa e leve ao congelador por ½ hora. Aqueça o forno em temperatura média. Descasque e corte as maçãs ao meio, retire as sementes, esprema o suco de limão e reserve.
Em uma frigideira, derreta a manteiga, junte o açúcar e a água e deixe formar um caramelo. Mexa para ficar todo de uma só cor. Tire do fogo, deite as metades de maçã na frigideira formando um círculo (a parte de fora da maçã virada para cima) e cozinhe em fogo baixo de 5 a 8 minutos, até o suco das maçãs começar a sair e misturar-se com o caramelo. Leve a frigideira ao forno e asse por cerca de 25 minutos, até as maçãs ficarem macias.
Tire a frigideira do forno e aumente a temperatura.
Enquanto isso, abra a massa em cima do papel de alumínio, formando um círculo um pouco maior que a boca da frigideira. Coloque esse círculo de massa sobre as maçãs. Aperte a massa em volta da borda da frigideira.
Ponha a frigideira dentro de uma assadeira. Coloque-a na grade mais alta do forno por 15 a 20 minutos, até a massa corar. Passe a faca em volta da frigideira e desenforme a torta num prato. Sirva com sorvete de creme.
Tempo de preparo: 40 minutos.
Rendimento: 10 porções
Execução: fácil

domingo, 19 de junho de 2011

A Torta como Oferenda


Um dos meus presentes de aniversário providenciais é uma tarte tatin, feita com carinho, que levo pronta para a casa dos amigos, sempre com um pote de sorvete de creme debaixo do braço.  
Me lembro que, no aniversário do Rick Scaff, no fim do ano passado, fiz uma bela torta, que foi colocada na mesa de sua casa, arrumada com diversos quitutes de sabor infantil... tudo uma delícia. Assim que o aniversariate viu o presente, disse: “Olha, parece uma oferenda!”.  E era. A ideia era esta mesma.  
Me lembro que a torta fez sucesso com a Fernanda Couto, que me pediu a receita. Mandei, via facebook, uma bem simples. É assim que faço minha torta, embora goste de adaptá-la vez ou outra. Se a maçã está mais azeda, por exemplo, uso mais açúcar. Se a manteiga tem sal, não uso sal na massa.
Segue a receita, com o recadinho que mandei para a Fernanda

Olá Fernanda, segue a receita da torta que fiz para o niver do Ricky..
qq dificuldade na hora de fazer, pode me escrever.
Sempre faço numa forma redonda teflon, assim nunca gruda. bjs
ale

Para a massa
Ingredientes
200 g de farinha de trigo (1 xícara e meia, mais ou menos)
125 g de manteiga gelada em cubos (meio pacote)
1 colher (sopa) de açúcar
1 pitada de sal
1 a 3 colheres (sopa) de água gelada
Modo de Preparo
1. Corte a manteiga em cubinhos. Numa tigela, coloque a farinha e os cubinhos de manteiga e misture com as mãos, formando uma farofa.
2. Em seguida, acrescente o açúcar e o sal e misture com as mãos. Adicione uma colherada de água gelada por vez, conforme a necessidade. Vá verificando o ponto da massa. Ela massa deverá ficar lisa e homogênea.
3. Faça uma bola e coloque-a entre duas folhas de plástico filme (pode ser qq plástico, inclusive saquinho de supermercado) e abra a massa até que fique com o tamanho da forma que vc for usar.
Para o recheio
Ingredientes
8 maçãs grandes sem pele, cortadas em oito partes cada (sem sementes)
 1/2 limão
 
125 g de manteiga  (meio pacote)
 1 1/4 xícara (chá) de açúcar

Modo de Preparo
 1. Com uma faquinha afiada, descasque as maçãs e retire as sementes. Corte a maçã (na vertical) em 8  partes e as coloque numa travessa com água e o suco de ½ limão (o limão não deixa que os pedaos escureçam).
2. Numa panela, coloque o açúcar, a manteiga e as maçãs cortadas.
3- Deixe cozinhar até que as maçãs sejam facilmente perfuradas com a ponta de uma faca. (cada pedaço de maçã deve ficar bem dourado).
4. Preaqueça o forno a 180ºC .
5. Numa fôrma redonda antiaderente, distribua as maçãs. A seguir, colocar por cima das maçãs, a massa aberta, até cobrir toda a superficie.
6. Leve a torta ao forno preaquecido e deixe assar por 25 minutos ou até que a massa fique dourada.
9. Retire a torta do forno e deixe esfriar um pouco.
10. Para desenformar a torta, coloque um prato sobre a fôrma, segure bem e vire de uma vez. Se a torta não desenformar de imediato, dê alguns soquinhos na fôrma. Não deixe a torta esfriar muito, pois você correrá o risco de ela ficar grudada na fôrma. Neste caso, e só em último caso, aqueça um pouquinho a torta em fogo baixo e repita a operação. Sirva morna com sorvete de creme.

quinta-feira, 16 de junho de 2011

Tatins na paisagem salgada da Bretagne


No fim do ano de 2002, uns meses depois de me instalar na Côte de Légende, oeste da França, estava desolado, acho que com depressão, devido à mudança e às condições do vilarejo no qual fui morar - um lugar de 1 mil habitantes, chamado L’Aber Wrach (no departamento da Bretagne/ foto acima).
Me lembro que fazia uns bicos no Centre de la Mer, um espaço de estudos do mar, na costa, ao lado de Brest, eu e Yann Danjou, meu companheiro de aventuras, na época. Uma das únicas coisas que me consolavam naquela geografia esquisita eram os jantares, as recepções feitas para os hóspedes. Era a primeira vez que entrava numa cozinha profissional, na França.

No Natal do mesmo ano, Solange, a patronne local (não me lembro mais seu sobrenome, desolée, madame), me chamou para fazer o prato principal da festa dos funcionários. Fiz um filé de porco recheado com ameixas e maçãs, e pensei em fazer um pudim de leite como sobremesa.
Ela aprovou o cardápio principal, mas disse que a sobremesa era por sua conta. Na noite da festa, apareceu com diversas caixas de tarte tatins individuais e congeladas, compradas no Metro – atacadão que é a salvação dos restaurantes franceses (um dia falo sobre este lugar, que fornece produtos para o bistrô podre da esquina às casas estreladas no Michelin). Torci o nariz quando vi as caixas, achei meio absurdo comprar aquela torta rústica congelada, mas, à medida que madame as colocava, uma a uma, no forno, sentia o cheiro das maçãs, manteiga, do caramelo tomarem o ar.
No fim das contas, a sobremesa foi servida com sorvete de baunilha natural e ficou uma delícia. Era bem molhadinha e a massa era um biscoito sablée crocante. Bem, este post é para dizer que tatin congelada é possível e pode ficar boa. Desde que bem condicionada, do contrário o gosto de manteiga rançosa toma conta da sobremesa (já comi tatins com gosto de ranço em restaurantes de SP).
Quando criei o cardápio do Le Patio Gourmand - pequeno restaurante à beira-mar, na aldeia citada acima, onde trabalhei com Yann Danjou, durante dois longos anos - colocamos estas tortas no cardápio. Congeladas e compradas no Metro. Eram uma delícia e viraram sucesso da casa, desde sua abertura, em fevereiro de 2003.

Servia as tortas com uma colherada de caramelo com leite, estilo toffee, e uma bola de sorvete de baunilha, como aquele comprado por Solange, uma francesa clássica, apreciadora da boa mesa, que, aliás, acabou virando nossa cliente semanal, período no qual nunca me "tutuaiou", tratando-me sempre na segunda pessoa do plural. Ela adorava minha torta com um ponto extra de açúcar. Sempre elogiava, pedindo que eu aparecesse no salão.  
Durante dois anos, enquanto o restô e o sonho duraram, esta torta congelada foi minha sobremesa diária. Me lembro de adoçar a vida assim, na paisagem dura e definitivamente salgada, com tempestades de ventos de até 200 km/h, que traziam o sal do mar para dentro de nossas casas, do restaurante. Foi o período da minha vida mais salgado, mas também o momento em que mais comi tatins.

segunda-feira, 13 de junho de 2011

As Maçãs


Nunca fui com apreciador de frutas cruas, devo admitir. Se hoje compro algumas na feira, devo isso à Jane Grigson, autora de “O Livro das Frutas” (Companhia das letras), um livro essencial.
Comprei dois volumes em 2002, um para mim e um de presente para uma amiga. Me lembro que, quando me mudei para a França, no fim do mesmo ano, enfiei o volume na mala e ele foi uma boa companhia por um ano, até que conseguisse ler livros em francês.
A obra funciona como uma visita guiada a um pomar, à uma feira ou mesmo às gôndolas de um supermercado. Cada fruto é experimentado de diferentes maneiras - ao natural, em forma de sobremesas sofisticadas, compotas. A autora apresenta as receitas de forma didática, elegante e generosa, falando inclusive dos tipos variados de frutas.
Foi neste volume que aprendi que a maçã sempre foi um alimento importante nos países de clima frio, onde a macieira é uma cultivada há centenas de anos. Trata-se da fruta, com exceção dos cítricos, que é conservada durante mais tempo, conservando seu valor nutritivo.
As maçãs de inverno, colhidas no final do outono e guardadas em câmaras ou armazéns quase congeladas, têm sido um alimento muito usado na Ásia, Europa e nos Estados Unidos.
As maçãs Gala e Fuji representam em torno de 90% das áreas plantadas, no planeta. Há ainda a Eva, a Golden Delicious, a Brasil, a Anna, a Condessa, a Catarina,  a Granny Smith (a verde).
 A Eva e a Anna não necessitam de clima temperado. Podem ser plantadas em regiões mais quentes. A Gala tem sido substituída por clones de coloração mais vermelha, como a Royal Gala e Galaxy.
A Fuji e seus clones Fuji Suprema e Kiku são frutos mais avermelhados, de sabor doce. São as mais suculentas.
Há ainda as maçãs Imperatriz, Daiane, Baronesa, Joaquina, sendo que esta última é resistente a uma espécie de sarna, fungo que ataca folhas e frutos da macieira.
Muitas receitas especificam que a torta deve ser feita com a maçã verde, que é um pouco mais azedinha. Eu a faço com o fruto que tiver em casa, no dia. O tipo de maçã influencia no sabor da sobremesa, mas não é um componente tão essencial.
Prefiro usar maçãs grandes e bem maduras, desde que elas não estejam machucadas, para que a torta fique bonita e as maçãs reluzentes.  Mas já fiz uma torta com maçãs machucadas, super maduras – as únicas que tinha na fruteira. A torta ficou boa, bem doce, apesar de aparentar pontos escuros depois de tirada da forma.

quinta-feira, 9 de junho de 2011

A farinha, a massa


Rica em amido, a farinha em pó desidratada é obtido geralmente de cereais moídos, como trigo, o centeio e a cevada, mas pode vir tambpem de raízes, como a mandioca.

Para a nossa torta, usamos a farinha de trigo branca, mas já provei tatin com farinha integral amanteigada. Fica uma delícia, uma torta rústica. Aliás, a ideia da tatin é ser rústica, não é?

Algumas pessoas põe um ponto de canela na massa, outras, lascas de favas de baunilha, uma pitada de sal (caso a manteiga não seja já salgada). Há quem coloque essência de pistache, amendoas moídas misturadas à farinha etc. Particularmente, prefiro o doce sem muitas invencionices. 

Dependendo da quantidade de farinha e da manteiga, você vai ter uma massa folheada ou então aquela que se desmancha na boca, a sablé, torradinha na medida certa, encharcada de calda morna. Prefiro a massa amanteigada, não muito doce, já que as maçãs caramelizadas já contêm açúcar o suficiente.  A massa deve ser mais para o neutro, mas isso varia de gosto para gosto. Mas este sabor neutro pode variar de uma torta para outra, pois, depende da época do ano, as maçãs são mais doces ou mais ácidas.
Cada vez quetiro uma torta do forno, descubro uma novidade.  A tatin é um universo a se explorar.  Tenho a impressão de que uma nunca sai igual a outra, mesmo que você use medidas milimétricas, a mesma temperatura. Mas disso falamos em breve.

terça-feira, 7 de junho de 2011

Vamos à história


A história que envolve a tarte tatin é uma das mais poéticas e controversas da culinária. Muitos dizem a receita foi criada acidentalmente pelas irmãs Stéphanie e Caroline Tatin, em 1889, em Lamotte-Beuvron, burgo ao sul de Orléans, no Vale do Loire.
Elas teriam deixado a torta pronta cair ao chão, por um acidente, num dia movimentado, no hotel que haviam herdado do pai, percebendo que o quitute ficava mais atraente com as maçãs douradas aparentes e não encobertas pela massa.
Apesar do conto poético ser passado de geração em geração, dentro e fora da França, há pessoas que discordam.
O pesquisar Jeffrey Steingarten, crítico de gastronomia da Vogue, autor do livro “O Homem que Comeu de Tudo”, lançado no Brasil pela editora Companhia das Letras, diz que o caso é balela. Em suas pesquisas culinárias ao redor do mundo, ele chegou à região do Loire e, após diversas entrevistas, bateu o martelo: “a mecânica dessa história não faz sentido; e uma tarte semelhante já era popular em todo o Orléanais antes de 1850”.
Ele fala que a história das irmãs Tatin faz parte dos contos de fadas da gastronomia, como aquela de Ruth Wakefield, que teria inventado os biscoitos toll house quando, economizando tempo para assar seus biscoitos, acrescentou pedacinhos de chocolate meio amargo em vez de derretê-lo antes, ou aquela do molho beurre blanc, que teria sido inventado por volta de 1900, quando o assistente do cozinheiro do marquês de Goulaine omitiu as gemas de ovo quando preparava sauce béarnaise.  
Jeffrey pode ter razão. Acho pouco provável que a torta tenha caído ao chão e que as irmãs, na correria da cozinha, tenham conseguido recolhê-la inteira. Só de cortá-la delicadamente, esta torta já se desfaz.
Acho ainda que a gastronomia francesa não rima com improvisos. Trabalhei três anos em cozinhas do país e invenções, se não forem geniais, são desprezados. Acho sinceramente que a torta foi criada como ela se apresenta hoje. Tavez as irmãs Tatin fossem mestres em criar boas tortas para os comensais de passagem pelo hotel da sua família.